Informática e Tecnologia

  
OS DIREITOS AUTORAIS E A INTERNET1

Fernando Augusto Ferreira Rossa

Os direitos autorais são aqueles que conferem ao autor da obra literária, científica ou artística a prerrogativa de reproduzi-la e explorá-la economicamente, enquanto viver, transmitindo-a aos seus herdeiros e sucessores pelo período de setenta anos, contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao seu falecimento.
Para este artigo é relevante a questão relacionada ao reconhecimento de direitos autorais advindos da criação e manutenção de páginas na Internet. Em termos genéricos, o autor de determinada obra tem o direito exclusivo de distribuí-la, publicá-la, modificá-la, disponibilizá-la e ceder seus direitos a outros. Porém, no âmbito da grande rede surgiram certas dúvidas, tais como: a página eletrônica(webpage) poderia ser considerada uma obra literária, científica ou artística? Quem elaborasse uma página eletrônica adquiria os direitos autorais de todos os elementos constituintes dela?
Inicialmente muitos defendiam a completa ausência de direitos com relação ao material veiculado pela Internet. Pensava-se que toda a informação constante da Internet estava em domínio público, e, por isso qualquer pessoa poderia reproduzi-la sem a prévia autorização do autor. Raciocinou-se que pelo fato de uma pessoa disponibilizar fotos, desenhos e informações a uma rede pública, estaria abrindo mão, tacitamente, de seus direitos de autor. Tais argumentos não procedem, pois são contrários aos princípios jurídicos norteadores da matéria em nosso país.
Os casos em que uma obra cai em domínio público estão enumerados de maneira taxativa e restritiva na Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, responsável por alterar, atualizar e consolidar a legislação sobre os direitos autorais no Brasil, não admitindo, assim, interpretação extensiva. O referido diploma legal nos ensina, em seu art. 45, que pertencem ao domínio público: as obras em relação as quais decorreu o prazo de proteção aos direitos autorais, que seria de setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor; as obras dos autores falecidos que não tenham deixado sucessores, e as obras desconhecidas.
Então a construção de uma página na Internet, objetivando a divulgação e disseminação de trabalho, artístico, literário ou científico, próprio e original, com ou sem cunho oneroso, seria uma verdadeira obra protegida pela Lei dos direitos autorais, culminando em uma série de direitos patrimoniais e morais ao respectivo autor. O ato de construir e colocar uma página na Internet não significa abrir mão de direitos autorais; somente a manifestação inequívoca do autor nesse sentido teria o condão de torná-la pública.
A Lei 9.610/98 é fruto da visão de legisladores que, antevendo o desenvolvimento da era digital, inseriram em seu texto uma série de vocábulos responsáveis pela admissão da existência de obras armazenadas, produzidas e disseminadas por meios imateriais. O art. 7º da referida lei preceitua quais seriam as obras protegidas:
São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II – as conferências, locuções, sermões e outras obras da natureza;
III – as obras dramáticas e dramático-musicais:(...)
IV – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; (...)”.
De tal artigo decorre a proteção autoral das obras contendo um mínimo de originalidade e advindas do íntimo do autor, chamadas de criações de espírito. Afirma também, que para fins de proteção, não será importante o meio pelo qual a obra se exterioriza, seja este material, imaterial ou qualquer que venha a ser inventado. A citada lei é um exemplo claro da tendência mundial, no campo dos direitos autorais, de que todas as criações originais, produzidas, armazenadas e distribuídas por meio intangíveis, como a Internet, produzem os mesmos efeitos das obras existentes no mundo real, dentre eles os efeitos jurídicos da proteção autoral.
As páginas contantes da Internet ou da world wide web podem conter fotos, desenhos, animações, textos etc., dependendo da intenção de seu autor. Portanto, se a página contiver elementos com um mínimo de originalidade, isto é, de contribuição pessoal, nada obsta o direito do autor de proteger sua criação, pois, como se vê pelos incisos do art. 7º, estariam tais elementos elencados e consequentemente protegidos pela lei. Mas para tais fins de proteção seria necessário o prévio registro da página? Observa-se o que ensina os arts. 18 e 19 da Lei 9.610/98.
Art. 18. A proteção aos direitos autorias de que trata esta Lei independe de registo;
Art. 19. É facultado ao autor registrar a sua obra no órgão público definido no caput e no parágrafo 1º do art. 17 da Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1973”.
A Lei 5.988/73, chamada de antiga lei dos direitos autorais, em seu art. 17º preceitua:
Para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-la, conforme sua natureza, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia”.
O registro da obra, por conseguinte, é uma faculdade do autor, sendo certo que a proteção de seus direitos autorias decorre da simples criação, independentemente de qualquer outro ato. No entanto, ultimando maior segurança no campo probatório de eventual lide, no sentido de prover a ressalva de seus direitos, e de melhor instrumentalizar o processo relacionado a direito autoral, o autor que registra sua obra dá margem a uma decisão judicial mais segura, em que o magistrado tem condições de identificar, de maneira mais célere, seu verdadeiro titular.
Continuando a análise, observe-se o preceito contido no art. 5º da Lei 9.610/98:
Para efeitos desta Lei considera-se:
I – publicação – o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer outro titular de direito do autor, por qualquer forma e processo;
II – transmissão ou emissão – a difusão de sons ou sons e imagens, por meio de ondas radio elétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor, meios óticos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido;(...)
VI – reprodução - a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido;
VII – contrafação – a reprodução não autorizada;(...)”. Ao analisar este artigo da Lei observa-se que os velhos conceitos de publicação, reprodução, contrafação, atualmente não se restringem ao mundo material, pois esses conceitos incorporam agora, qualquer forma, processo ou meio que venha a ser desenvolvido.
Reproduzir é na verdade produzir novamente a partir de algo preexistente. Um livro pode ser editado e reproduzido. Não por acaso no capítulo III da Lei 9.610/98 que trata dos direitos patrimoniais do autor no art. 29º estabelece que:
depende da autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidade, tais como:
I – a reprodução parcial e integral;
II – a edição.”
Portanto, são duas ações que não se confundem, onde temos a edição da obra e a reprodução da obra. A reprodução da obra depende, como se vê, da autorização do autor. Mas a simples autorização não é suficiente. A lei impõe obrigações a quem reproduz a obra. Nesse sentido a legislação é clara e impositiva. De acordo com o texto do art. 30 da Lei 9.610/98 e seus parágrafos:
No exercício do direito de reprodução, o titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra, na forma, local e pelo tempo que desejar, a título oneroso ou gratuito.
Parágrafo 1º – O direito de exclusividade de reprodução não será aplicável quando ela for temporária e apenas tiver propósito de tornar a obra, fonograma ou interpretação perceptível em meio eletrônico ou quando for de natureza transitória e incidental, desde que ocorra no curso do uso devidamente autorizado da obra pelo titular”.
Assim sendo, este parágrafo trata de uma limitação, onde a exclusividade não será aplicável quando a reprodução for transitória ou incidental. Já o parágrafo 2º impõe séria obrigação a quem reproduz a obra, pois estabelece o seguinte:
Em qualquer modalidade de reprodução, a quantidade de exemplares será informada e controlada, cabendo a quem reproduzir a obra a responsabilidade de manter os registros que permitam, ao autor, a fiscalização do aproveitamento econômico da exploração”.
Portanto, qualquer que seja a forma de reprodução da obra, é necessário manter registro de tudo que foi feito para informação do autor, pois é seu direito incontestável exercer pleno controle sobre a reprodução. A lei não exclui, não excepciona meio algum, sendo abrangente quando se refere a “qualquer modalidade”.
Enquanto estamos tratando da reprodução comum, especialmente gráfica, não existe problema aparente, pois a operação de organizar e manter registros é relativamente simples. A reprografia, por exemplo, inclui-se taxativamente nesse campo. O copista, além da necessária autorização do autor ou de quem o represente, é obrigado a manter um registro de tudo que reproduziu.
Mas agora que a obra chega a Internet, o que provoca mudança substancial, neste caso não são mais páginas de livros, não há exemplares, o conceito de espaço e quantidade é outro. Como cabe ao autor o privilégio de autorizar a reprodução de sua obra, nos termos do art. 30, a disponibilidade na Internet depende dessa autorização e quanto a isso não há dúvida. Mas o problema surge justamente na interpretação do referido parágrafo segundo, ou seja, no registro do que foi produzido.
Aliás, o parágrafo segundo do art. 30 é curioso, pois pode ser dividido em duas partes que infelizmente, não se completam nem coadunam. Na parte inicial ele fala “em qualquer modalidade de reprodução” para logo falar em “quantidade de exemplares”, que pode ser considerado o número de vezes em que uma página da Internet é mostrada na tela do computador. Existem casos em que é possível se verificar esse número de “reproduções”, mas dependendo de como o website se constitui não existe um sistema capaz de controlar tal número de printings2, e assim sendo, o autor não pode receber por cada uma das vezes que sua obra aparece na tela de um computador qualquer.
O objetivo da lei é proteção dos direitos do autor, titular da obra que produziu e único que dela pode dispor. Se esse é o objetivo de toda estrutura jurídica autoral é evidente que quando se trata de modalidade de reprodução, aí devemos incluir a Internet. Não pode ser de outra forma, inclusive porque esse meio de comunicação está crescendo rapidamente e tende a tornar-se forma absoluta de armazenar e levar ao mundo as obras de arte e engenho.
Há pois que interpretar a lei de direitos autorais no sentido de que sua aplicação esteja em consonância com os novos tempos e, aliás, nesse caso, com ela própria, pois em seu art. 7º, afirma que:
São obras protegidas as criações de espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro(...)”
Tome-se por exemplo, o caso das bibliotecas virtuais que já existem em algumas universidades. Na sua maioria elas estão disponibilizando obras caídas em “domínio público”. Mas , em alguns casos, obras protegidas já estão à disposição dos interessados. Essa disponibilidade é sem dúvida, uma reprodução, devendo-se observar e aplicar quando possível o que determina o art. 30, especialmente o parágrafo 2º.
Quem disponibiliza esse material está na verdade, reproduzindo uma obra protegida e deve, portanto, “manter registros que permitam ao autor, a fiscalização do aproveitamento econômico da exploração” quando o website permite, recorrendo para isso, às facilidades de um arquivo eletrônico.
Em primeiro lugar é necessária a autorização do autor, o que pressupõe um contrato de licença que deverá observar as características do novo meio de reprodução da obra, que é a Internet.
Esses pontos evidentemente não constituem números fechados, pois se trata de uma experiência nova, em processo de implantação e desenvolvimento, portanto passível de alterações. Além disso, a própria revolução tecnológica, que está determinando essas transformações, é recente e na realidade está em curso.
Existe a proteção ao conceito de reprodução não autorizada, a qual é fundamental para que o autor de uma página eletrônica(webpage) e seus sucessores possam intentar ação de contrafação em face de quem publica ou reproduz, sem o seu consentimento, quaisquer dos elementos constituintes desta página, permitindo, assim, imediata suspensão e retirada dos elementos indevidamente reproduzidos, sem prejuízo de eventual indenização por danos morais e perdas e danos, como definido no art. 102 da Lei de direitos autorais:
O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível.”
Em suma, o ato de reproduzir, indevidamente, página da Internet, seja no todo ou em parte, sendo essa criação original, fere os direitos morais (art. 24 da Lei 9.610/98) e patrimoniais (art. 28 do mesmo diploma)do respectivo ato, ensejando ação de contrafação, danos morais e materiais em face do violador de tais direitos. Somente o autor pode utilizar, fruir e dispor de sua obra e dependerá de sua prévia e expressa autorização a utilização desta por quaisquer modalidades, como a reprodução parcial, integral a distribuição etc.
Quanto ao caso de reprodução, ressalta-se, no entanto a existência de um problema de difícil solução. Sabe-se que a força da Internet deriva do sistema de ligações de hipertexto ou hypertext links, em que os usuários “pulam” diretamente de um site ao outro. Também sabe-se que um link é uma conexão, ligação, enfim, um elo entre duas webpages. Grande parte dos sites na Internet possuem partes reservadas para menção de links, os “links interessantes”, encaminhando o Internauta a outra páginas, surgindo a seguinte questão: poderia o autor de determinada página inserir o endereço de página criada por terceiro em seu website? Não estaria ele violando direito autora, por distribuí-la, reproduzi-la ou divulgá-la?
Existem duas correntes, onde a primeira afirma que o criador de um website necessita, sob pena de violação de direitos autorais, de permissão para incluir um link em sua página objetivando o endereçamento ao website de outro autor. Tal argumento se baseia em casos como o ocorrido nos Estados Unidos envolvendo as empresas MAI Systems Corporation e Peak Computer, nos quais se decidiu que a cópia de um trabalho em memória RAM é uma cópia para fins de direitos autorais. A segunda corrente afirma que a www é, em essência um protocolo existente apenas para unir um website a outro, sendo difícil visualizar o motivo de alguém restringir a menção ou acesso a um site, não devendo haver permissão específica para tanto.
Também sendo o link mera instrução, é estranha a reserva de direitos quanto a ele, pois um link nada mais é que um método de operação desprotegido. Isso não quer dizer que não haja problemas em copiar uma série de links organizados por uma página. O ato de estruturar, sequenciar e organizar links em uma página poderia, talvez criar proteção autoral sobre si, e assim, um indivíduo que copiasse essa sequência em outro website, poderia perfeitamente responder por violação à Lei dos direitos autorais, pois teria copiado um dos elementos da obra.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998

Cabral, P. Direito autoral, dúvidas e controvérsia. São Paulo: Habra, 2000.

Corrêa, G. T. Aspectos Jurídicos da Internet. São Paulo: Saraiva, 2000.

Edwards, L. and Waeld, C. Law and the Internet, regulating the cyberspace. Oxford: Hart Publishing – 1997.

Gandelman, H. De Gutemberg à Internet, direitos autorais na era digital. 2a ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.



1Capítulo retirado da monografia “Aspectos da Lei de Direitos Autorais na Internet” de conclusão do curso de Direito na UniFMU em 2001.
2É a impressão de uma página da Internet na tela de um computador.